Quem é o Eu Sou? 3- Deus é amor!

Em meio a uma sociedade com tantas visões e representações confusas tanto sobre o caráter de Deus bem como sobre o Amor, uma declaração bíblica se mantém como uma rocha no oceano, firme mesmo quando atacada por fortes ondas, “Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor. “I Jo 4:8. Quando a maioria afirma que Deus é amor eles estão afirmando que Deus age de forma amável, doce e solícita com sua criação. Entretanto, quando a Bíblia declara que Deus é amor, mesmo incluindo os atos de amor, a Bíblia expressa algo muito mais profundo sobre o caráter de Deus. Primeiramente, chama a atenção o fato de a Bíblia não dizer que Deus tem amor, mas que ele é amor. Portanto, todo o seu ser é Amor, logo ele não age com amor, apenas, mas incorpora o amor.

Deus não tem amor, Ele é!

Deus não está amando, Ele é!

Deus não está agindo com amor, Ele é!

O amor aplicado como definição de Deus não é sentimental, momentâneo, condicional ou egoísta, mas  é como descrito em I Co 13, uma postura, uma escolha, um princípio de se centrar na felicidade plena e completa do outro. É uma forma de viver e existir que se projeta em prover tudo o necessário para o outro ser completamente feliz a despeito dos próprios interesses. Um dos textos mais famosos da Bíblia nos ajuda a entender melhor o conceito do amor bíblico; “Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.” João 3:16. Dessa forma, Amar é Dar. Deus, sem estar tomado por sentimentos efêmeros, escolhe dar algo a alguém que não fez nada para merecer. A prática do amor é o exercício do escolher fazer algo bom para outro ser. Quando lemos; Deus é amor, entendemos que é um ser que existe para dar, no sentido mais essencial da palavra, ou seja, servir, ajudar, conceder, sem esperar algo em troca. Esta é sua natureza! Por esta razão, não podemos tratá-lo como alguém a quem devemos conquistar, a fim de recebermos aquilo que ele deseja nos dar. Pois sua própria natureza o define como um ser que sempre escolheu se doar sem que mereçamos. Quando a Bíblia afirma que Deus deu o seu filho, isso derruba também a ideia que ele tenha sido obrigado a isso, pois o amor nunca é forçado ou algo que surge sem a liberdade de escolha. Por essa razão ele não pode ser um arroubo emocional. Um ótimo exemplo do amor bíblico é o amor maternal. Uma mãe não ama o seu filho apenas quando ele obedece, se comporta bem ou tira boas notas na escola, mas o ama mesmo quando ele a ataca e agride buscando dinheiro para comprar drogas. Esse caso também ilustra o perigo de confundir o amor bíblico com emoções, pois quais emoções uma mãe sente ao apanhar do filho? Mas pergunte a ela, naquele exato momento, se ainda o ama.

Outra forma de entender a grandeza da declaração “Deus é amor” é através da dinâmica da trindade. Ao ser 3 em 1 ou 1 em 3, Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito, a trindade demonstra que Deus já poderia viver em uma existência de amor mútuo mesmo sem ter criado quaisquer outros seres. Esta compreensão contradiz a ideia de que Deus nos criou porque precisava de nós para ser amado, a própria trindade já provê uma comunidade autossuficiente para existência e prática do amor. Portanto, Deus nos criou devido a sua natureza de doar-se e se entregar para o benefício dos outros. Através da trindade, Deus pode exercer o princípio de ser centrado no outro e esta é a dinâmica relacional dos membros da trindade: O Pai exalta o Filho (Fil 2:9). O Pai exalta o Espírito (Zc 4:6). Jesus glorifica o Pai (Jo 10:29). Jesus glorifica o Espírito (Jo 14:26). O Espírito glorifica o Pai (Gl 4:6). O Espírito glorifica o filho (Jo 15:26). Consequentemente, a trindade está imersa desde a eternidade em uma postura de Amor relacional mútuo, ao ser, cada membro da trindade,  centrado na felicidade dos outros. A natureza da trindade demonstra que o amor é o princípio nuclear do Deus tri uno.

Além disso,  o Amor biblicamente, o qual Deus incorpora, é a completa doação de si mesmo, ou do que você tem disponível , pelo próximo. E o qual seria a maior doação que podemos fazer para servir ao próximo? Como a completa doação de si mesmo atinge seu auge? É quando doamos a própria vida por alguém, o máximo bem que possuímos. Isto é confirmado pelo próprio Jesus “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos.“João 15:13. No contexto de um mundo regido pelo princípio do egoísmo, esse seria o ápice em termos de doar-se para o benefício do outro, contudo, em se tratando de um mundo cujo amor é princípio central, o maior sacrifício que se pode fazer por amor não é dar a própria vida, mas sacrificar a vida de alguém que você ama para salvar o outro. Pense no caso de uma mãe, será que ela sacrificaria sua vida para salvar o marido? Sim, faria, e muitas fazem. Mas pergunte a ela se ela entregaria seu filho para salvar o marido? NUNCA!!! Caso o fizesse, seria algo estranho mesmo para nossa sociedade tão insensível ao amor. Pois bem, foi isso o que a trindade fez. A trindade vivia, desde a eternidade, em plena comunhão de amor, entretanto, precisou concordar e testemunhar que um dos seus membros, aquele que, mesmo possuindo sua individualidade, era um com o Pai e o Espírito, fosse sacrificado para salvar seres que o haviam rejeitado. Novamente fazendo uso da analogia familiar, seria como uma mãe que entregasse seu único filho para salvar o vizinho que nunca quis sequer falar com eles.

Nem de longe poderemos imaginar a dor que o sacrifício de Jesus causou no coração de toda a trindade ao separar aqueles que se amavam desde sempre, mas um pouco de reflexão sobre esse sacrifício nos permite, mesmo que tenuemente, saber o quanto significa a declaração: Deus é amor!

Deus te ama, te amou e sempre te amará!

“Deus é amor” (I João 4:8), está escrito sobre cada botão que desabrocha, sobre cada haste de erva que brota. Os amáveis passarinhos, a encher de música o ar, com seus alegres trinos; as flores de delicados matizes, em sua perfeição, impregnando os ares de perfume; as altaneiras árvores da floresta, com sua luxuriante ramagem de um verde vivo – todos testificam da terna e paternal solicitude de nosso Deus, e de Seu desejo de tornar felizes os Seus filhos. Ellen White, Caminho a Cristo, pág. 10

 

Inspirado no livreto: “Fundamental Focus” produzido pelo ministério americano “Genesis Road” .

Quem é o Eu Sou? 2- Deus quer emocionar-se com você

Como você se sentiu ao encontrar uma pessoa amada que não via há  tempos? Ou quando você conquistou uma oportunidade há tanto almejada? Como descreveria seu espírito ao constatar o amor e afeição vindo de alguém muito especial ? É o aspecto emocional o responsável por colorir todas essas experiências e são as emoções a causa de todo estado de satisfação e felicidade que experimentamos. Não há como ser feliz sem emocionar-se. E tal como na razão, o nosso Senhor também possui e experimenta emoções, ao sermos criados como imagem e semelhança dEle.  Desta feita, a relação entre dois seres dotados de emoções deve também produzir estados emocionais (Lc 15:7), portanto, Deus quer emocionar-se conosco através de estados de felicidade e prazer.

No artigo anterior desta série, afirmamos que nossa relação com Deus deve ser fundamentada na razão, e uma das justificativas apresentadas foi que a habilidade de julgar e avaliar é um dos diferenciais do ser humano e que reflete a imagem e semelhança com seu criador. Entretanto, com base no dualismo criado pela sociedade moderna, podemos ser induzidos a concluir que todos os discursos que valorizam a razão acabam por menosprezar ou diminuir o papel das emoções.  Mas essa visão não reflete a perspectiva bíblica sobre o caráter do “Eu Sou!” e nem as mais recentes pesquisas sobre o comportamento cerebral.  Por exemplo, ao descrever o reino de Deus, reino como uma comunidade que começa ao aceitarmos os princípios de Cristo, Paulo afirma: “Pois o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo; ” (Rm 14:17), o que demonstra que o estado emocional de alegria, paz e satisfação precisa estar presente ao fazermos parte desta comunidade. Em outra passagem, o próprio Jesus declara que o cumprimento final de suas promessas resultará em alegria (Jo 16:20), mesmo que, por enquanto, experimentemos dor e tristeza. Sendo assim, de forma alguma, Deus desconsidera ou desvaloriza a emoção ou espera que nós a suprimamos, mas deseja, com base em uma relação especial conosco, gerar emoções reais, felizes e consistentes em nossa vida.

Além da perspectiva bíblica, o valor do aspecto emocional na experiência humana tem sido fortalecido a cada desenvolvimento da ciência do cérebro. No livro best seller “Inteligência Emocional” da editora Objetiva, o autor Daniel Goleman demonstra o papel fundamental e essencial que as emoções possuem na experiência humana. Com base nisso, a pergunta mais importante a fazer é: Como um Deus racional e que se emociona espera relacionar-se conosco? Ou como devem a razão e emoção serem ajustadas em nossa vida e em nossa relação com Deus, de forma a produzir felicidade plena? Mais uma vez, a neurociência e a Bíblia  apresentam uma resposta harmônica.

Segundo as mais recentes e importantes pesquisas em neurociência, quando impulsos externos chegam aos nossos sentidos são encaminhados até o tálamo, sendo então transformados em linguagem cerebral. Essas informações convertidas são encaminhadas ao neocórtex (centro da razão e avaliação) que decide como lidar com elas e avisa a amídala cortical (centro emocional) como reagir. Portanto, em um funcionamento cerebral normal, as emoções são profundamente importantes mas devem ser guiadas pela região racional do cérebro. No livro “Simples demais” de Timothy R. Jennings, editora CPB, há diversos exemplos ilustrando esse comportamento. Por exemplo, um objeto alongado sobre a grama do jardim pode despertar um estado inicial de medo e alerta, mas que melhor avaliado pela razão, descobre-se ser uma mangueira e não uma cobra, sendo então o estado emocional de medo desestimulado.

No livro de Romanos recebemos o seguinte conselho: “Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês. Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.” Rm 12:1 e 2. Neste texto o apóstolo declara que precisamos ter uma transformação mental e desenvolver o culto racional para só então desfrutar (emoção) a boa e agradável vontade de Deus. O que se confirma que o funcionamento saudável do cérebro ocorre quando o sistema límbico, responsável pela emoção, é coordenado pelo córtex pré-frontal (razão). Desta forma, poderemos entender que a razão ou emoção não são mais ou menos importante uma em relação a outra, mas em termos de função na estrutura da mente a razão precisa estar no controle e guiar a emoção. Ambas são essenciais, mas há uma ordem organizacional.

O texto de Rom 12:1 e 2 deixa claro que a forma como eu devo me relacionar com Deus precisa ser dirigida pela razão mas não sem resultar em lindas e coloridas emoções. Subestimar ou Superestimar um ou outro aspecto não me permitirá experimentar a suprema felicidade de uma intimidade de amor com Deus. O grande “Eu sou” quer se emocionar com você!

 

 

Quem é o Eu Sou? 1- Deus espera que você use a Razão

Segundo a Bíblia, os seres humanos se diferenciam de toda a criação especialmente por uma característica: foram criados a imagem e semelhança de Deus (Gn. 1:26). Portanto, se considerarmos que a capacidade de julgar, avaliar e pesar evidências, ou seja o uso da razão, é nossa principal habilidade distintiva, poderíamos compreender que Aquele que nos criou segundo Sua imagem também é um ser cujo uso da razão é essencial em sua natureza.

Considerando que o cerne de toda experiência religiosa é estabelecer uma relação com o transcendental, e sendo que nós e Deus somos distinguidos pelo uso da razão, a próxima pergunta natural a fazermos é: Como seres racionais se relacionam? A resposta a essa questão pode ser iluminada pelo livro do profeta Isaías: “‘Venham, vamos refletir juntos’, diz o Senhor” Is 1:18. Deus nos convida a pensar junto com Ele! Portanto, esse texto simples, mas revelador, descreve o desejo de Deus de construir uma relação com a humanidade fundamentada no uso da razão e no exercício da reflexão. Dessa forma, ao nos comunicarmos com Deus de forma alguma ele deseja que deixemos de lado o uso da razão, mas deseja que a usemos.

Uma outra evidência a favor da necessidade do uso da razão em nossa comunicação com Deus está na forma como ele resolveu se manifestar a nós. Segundo a compreensão tradicional, Deus se revela de duas formas principais; a primeira é conhecida como revelação Geral. Segundo essa visão Deus manifesta suas características através da sua natureza, através de suas leis e princípios “Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis;” Rm 1:20. Porém, para que possamos distinguir corretamente os traços do caráter de Deus em sua natureza é fundamental o exercício da razão. Somente através de uma reflexão sobre sua obra poderemos ser capazes de entender melhor alguns traços do Criador. Além disso, há outra forma que Deus se revelou a humanidade. A Bíblia, a revelação especial, descreve com maior precisão os atributos de Deus e sua forma de interagir com o homem. Contudo, para alcançarmos essa revelação é necessário que façamos também uma reflexão e estudo de seu conteúdo. Sendo assim, as duas maneiras de Deus se apresentar conosco e conquistar o nosso interesse se fundamentam no uso da razão.

Um outro aspecto fundamental no uso da razão em nossa comunhão com Deus é que dessa maneira Deus respeita nossa individualidade e garante a liberdade dos seres inteligentes. Deus não força nossa resposta a sua manifestação mas espera que façamos a escolha de permitir uma relação inteligente com Ele. Esse respeito e consideração por nós é expresso em: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo.” Ap 3:20. Essa consideração do Criador demonstra que nossas dúvidas e questionamentos sempre serão bem vindos. Deus estará sempre disposto a nos explicar e indicar o caminho, mas nunca nos forçará a segui-lo.

Ao considerarmos as implicações desta visão poderíamos entender que qualquer experiência religiosa que não esteja fundamentada no uso da razão ou que a suprima não permitirá a plena interação entre seres inteligentes e Deus. Dessa forma, todas as manifestações religiosas com o Deus da Bíblia devem ser construídas com vista a promover o uso da reflexão e razão.

Inspirado no livreto: “Fundamental Focus” produzido pelo ministério americano “Genesis Road” .

Introdução a série: Quem é o “Eu Sou”?

Em sua última prece ao Pai, antes de ser preso, Jesus fez uma tácita declaração. “Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste”. Jo 17:3, NVI. Só por tratar da vida eterna, ou seja, da superação da morte, que têm causado tanta dor e angústia ao longo da história e cuja presença nunca fora bem assimilada por qualquer cultura, essa declaração já possui um peso extraordinário. Entretanto, se considerarmos que no contexto judaico-cristão vida eterna significa mais do que a mera superação da morte. Mas consiste em superar a infelicidade, de qualquer natureza. É uma vida sem a interrupção da morte, ou com a presença de qualquer sentimento ruim. Vida esta que não podemos vislumbrar completamente porque somos um povo nascido em dores e que vive em um mundo onde se alternam os sentimentos de tristeza e felicidade. Essa declaração demonstra possuir o segredo máximo de toda existência humana. Complementando, Jesus demonstra que seu objetivo maior foi revelar o Pai “Eu te glorifiquei na terra, completando a obra que me deste para fazer”. Jo 17:4, glorificando-o perante os homens.

Portanto, se conhecer a Deus é o segredo para alcançarmos a vida perfeitamente feliz, deveríamos fazer desse objetivo o principal foco de nossas atividades. Contudo, devido as inúmeras representações de Deus que temos no mundo pluricultural de hoje (só no cristianismo são mais de 20000 denominações) fica difícil saber em que direção seguir a fim obter esse conhecimento. Especialmente, quando pensamos em Deus através do prisma denominacional costumamos nos focar no que cada visão acredita, e então passamos a falar mais de crenças e doutrinas do que do próprio Deus. Por essa razão estamos começando essa série com o objetivo de apresentar as principais e mais essenciais características do caráter de Deus e despertar em você o desejo de prosseguir nesse conhecimento.

Essa série possui o título de “Quem é o ‘Eu sou’? ”, inspirado no texto: “E disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós.” Ex 3:14, no qual Moisés, agora um morador do deserto, tem um encontro com Deus, e Este se apresenta a Moisés dessa forma. Ao entrar em contato com o “Eu Sou! ”, sua vida é completamente revolucionada e ele então segue uma nova jornada de libertação, tanto própria, como de todo o povo hebreu. Por tanto, a principal motivação desta série é trilhar uma jornada de conhecimento do caráter de Deus que independem de denominação religiosa mas que são revelados limpidamente em sua palavra e experimentar uma libertação semelhante à que experimentou o povo hebreu.

Os temas e a linha geral seguidos são inspirados no livreto: “Fundamental Focus” produzido pelo ministério americano “Genesis Road” .

Espero que essa jornada seja significativa para você!

Todos somos culpados, até que aceitemos o contrário

Ao pensar e ler sobre a frase: “Todos são inocentes até que se prove o contrário” conhecido como “Princípio da inocência presumida” – muito comumente ouvida quando o assunto em questão é o dolo suposto de alguém, descobri que ela retrata uma garantia processual penal presente no artigo 5º na constituição de 1988. Essa garantia visa proteger todo acusado de um julgamento e condenação antecipados, sem o devido processo que permita uma avaliação justa mediante provas contra e a favor de sua condenação. Dessa forma, o acusado de um delito é considerado previamente inocente até que todo o rito processual seja finalizado e sua sentença final seja pronunciada e só então, caso condenado, possa sofrer as devidas sanções punitivas. Esse texto, em seu uso popular, tem sido aplicado como um princípio essencial da filosofia humanista. O ser humano, por ser considerado essencialmente bom, ou de outra maneira, naturalmente guiado por boas motivações, é inocente e nada mais que uma vítima das circunstâncias que o cercam. Sendo assim, se modificarmos as condições, temos a garantia de que o homem sempre produzirá bons frutos. Essa visão super-positiva da natureza humana não explicaria a trilha sangrenta deixada na história da humanidade através de toda barbárie já registrada. Além disso, não explica também os inúmeros pequenos episódios diários de crueldade e egoísmo que em muito superam as ações altruístas que observarmos no lidar diário. O fato é que não podemos de pronto desconsiderar esses comportamentos e apenas declarar o ser humano como uma mera vítima das condições, e não o principal responsável pela dor e sofrimento observados. A interpretação humanista não consegue lidar com a existência, amplitude, profundidade e perpetuação do mal. E o cristianismo, como lida com a malignidade do coração humano?

Para o cristianismo, ao contrário de sermos primordialmente inocentes, somos generalizadamente culpados (Rm 3:23), ou seja, há algo em nós, uma forma de infecção do mal, que nos motiva a agir prioritariamente com o fim da satisfação própria. Para ser mais fiel à descrição bíblica da realidade, a proposta presente na Bíblia é de que o homem possui duas naturezas antagônicas, uma delas introduzida por Deus (Gen. 3:15), que ainda nos direciona a agir de maneira amorosa visando o bem alheio. Entretanto, mesmo a presença desta força motivadora positiva não nos faz inocentes perante um Deus que sonda os corações. Portanto, para o cristianismo, deveríamos reescrever o início do princípio de inocência presumida: “Todos somos culpados …”. E o final, como o completaríamos a partir da visão cristã?  Será que poderíamos finalizar com o “até que se prove o contrário.” Precisamos provar que somos inocentes? Ou então teremos que enfrentar as punições pela culpa?   É aqui que acontece a “mágica” do amor de um Deus, que Ele mesmo é amor (I Jo 4:8).

Deus, mesmo sendo inocente e vendo claramente a malignidade do coração humano escolhe, por simples amor, assumir as consequências e efeitos da culpa humana apenas com o fim de declarar o homem inocente. Ele possui e conhece todas as razões para nos culpar, mas escolhe nos oferecer a salvação. Muitos acusam o cristianismo de imprimir angústia e sofrimento ao homem fazendo ele carregar o peso da culpa ao declará-lo culpado e essencialmente mau. Mas esquecem de um fato corriqueiro em nossas vidas; o médico precisa primeiro conscientizar o paciente de seu estado enfermo antes de iniciar o tratamento. Pois da mesma forma que o cristianismo apresenta a escuridão da alma humana, apresenta o remédio. A completa substituição desse coração enfermo (Eze 11:19). O humanismo falha ao nos declarar inocentes e não apresentar uma solução eficaz para a malignidade disseminada na humanidade. Que o cristianismo nos condena é verdade, mas nos oferece a cura. Só nos resta então aceitar. Portanto, na visão bíblica, não somos culpados que precisam demonstrar inocência, mas apenas aceitá-la. Sendo assim, sob a ótica cristã, o princípio poderia ser reescrito como: “Todos somos culpados, até que aceitemos o contrário!”

Deus, Ciência e as Grandes Questões: Uma conversa com três das maiores mentes acadêmicas cristãs vivas.

Atenção: Embora não concordando com todos os pontos de vista levantados, a reflexão e os pensamentos apresentados são poderosas ferramentas para fundamentar mais solidamente a fé cristã.

Poema: Conta e Tempo (por Frei António das Chagas)

Conta e Tempo

Deus pede estrita conta de meu tempo.
E eu vou do meu tempo, dar-lhe conta.
Mas, como dar, sem tempo, tanta conta
Eu, que gastei, sem conta, tanto tempo?

Para dar minha conta feita a tempo,
O tempo me foi dado, e não fiz conta,
Não quis, sobrando tempo, fazer conta,
Hoje, quero acertar conta, e não há tempo.

Oh, vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo.
Cuidai, enquanto é tempo, em vossa conta!

Pois, aqueles que, sem conta, gastam tempo,
Quando o tempo chegar, de prestar conta
Chorarão, como eu, o não ter tempo…

Frei António das Chagas, in ‘Antologia Poética’