Quem é o Eu Sou? 1- Deus espera que você use a Razão

Segundo a Bíblia, os seres humanos se diferenciam de toda a criação especialmente por uma característica: foram criados a imagem e semelhança de Deus (Gn. 1:26). Portanto, se considerarmos que a capacidade de julgar, avaliar e pesar evidências, ou seja o uso da razão, é nossa principal habilidade distintiva, poderíamos compreender que Aquele que nos criou segundo Sua imagem também é um ser cujo uso da razão é essencial em sua natureza.

Considerando que o cerne de toda experiência religiosa é estabelecer uma relação com o transcendental, e sendo que nós e Deus somos distinguidos pelo uso da razão, a próxima pergunta natural a fazermos é: Como seres racionais se relacionam? A resposta a essa questão pode ser iluminada pelo livro do profeta Isaías: “‘Venham, vamos refletir juntos’, diz o Senhor” Is 1:18. Deus nos convida a pensar junto com Ele! Portanto, esse texto simples, mas revelador, descreve o desejo de Deus de construir uma relação com a humanidade fundamentada no uso da razão e no exercício da reflexão. Dessa forma, ao nos comunicarmos com Deus de forma alguma ele deseja que deixemos de lado o uso da razão, mas deseja que a usemos.

Uma outra evidência a favor da necessidade do uso da razão em nossa comunicação com Deus está na forma como ele resolveu se manifestar a nós. Segundo a compreensão tradicional, Deus se revela de duas formas principais; a primeira é conhecida como revelação Geral. Segundo essa visão Deus manifesta suas características através da sua natureza, através de suas leis e princípios “Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis;” Rm 1:20. Porém, para que possamos distinguir corretamente os traços do caráter de Deus em sua natureza é fundamental o exercício da razão. Somente através de uma reflexão sobre sua obra poderemos ser capazes de entender melhor alguns traços do Criador. Além disso, há outra forma que Deus se revelou a humanidade. A Bíblia, a revelação especial, descreve com maior precisão os atributos de Deus e sua forma de interagir com o homem. Contudo, para alcançarmos essa revelação é necessário que façamos também uma reflexão e estudo de seu conteúdo. Sendo assim, as duas maneiras de Deus se apresentar conosco e conquistar o nosso interesse se fundamentam no uso da razão.

Um outro aspecto fundamental no uso da razão em nossa comunhão com Deus é que dessa maneira Deus respeita nossa individualidade e garante a liberdade dos seres inteligentes. Deus não força nossa resposta a sua manifestação mas espera que façamos a escolha de permitir uma relação inteligente com Ele. Esse respeito e consideração por nós é expresso em: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo.” Ap 3:20. Essa consideração do Criador demonstra que nossas dúvidas e questionamentos sempre serão bem vindos. Deus estará sempre disposto a nos explicar e indicar o caminho, mas nunca nos forçará a segui-lo.

Ao considerarmos as implicações desta visão poderíamos entender que qualquer experiência religiosa que não esteja fundamentada no uso da razão ou que a suprima não permitirá a plena interação entre seres inteligentes e Deus. Dessa forma, todas as manifestações religiosas com o Deus da Bíblia devem ser construídas com vista a promover o uso da reflexão e razão.

Inspirado no livreto: “Fundamental Focus” produzido pelo ministério americano “Genesis Road” .

Introdução a série: Quem é o “Eu Sou”?

Em sua última prece ao Pai, antes de ser preso, Jesus fez uma tácita declaração. “Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste”. Jo 17:3, NVI. Só por tratar da vida eterna, ou seja, da superação da morte, que têm causado tanta dor e angústia ao longo da história e cuja presença nunca fora bem assimilada por qualquer cultura, essa declaração já possui um peso extraordinário. Entretanto, se considerarmos que no contexto judaico-cristão vida eterna significa mais do que a mera superação da morte. Mas consiste em superar a infelicidade, de qualquer natureza. É uma vida sem a interrupção da morte, ou com a presença de qualquer sentimento ruim. Vida esta que não podemos vislumbrar completamente porque somos um povo nascido em dores e que vive em um mundo onde se alternam os sentimentos de tristeza e felicidade. Essa declaração demonstra possuir o segredo máximo de toda existência humana. Complementando, Jesus demonstra que seu objetivo maior foi revelar o Pai “Eu te glorifiquei na terra, completando a obra que me deste para fazer”. Jo 17:4, glorificando-o perante os homens.

Portanto, se conhecer a Deus é o segredo para alcançarmos a vida perfeitamente feliz, deveríamos fazer desse objetivo o principal foco de nossas atividades. Contudo, devido as inúmeras representações de Deus que temos no mundo pluricultural de hoje (só no cristianismo são mais de 20000 denominações) fica difícil saber em que direção seguir a fim obter esse conhecimento. Especialmente, quando pensamos em Deus através do prisma denominacional costumamos nos focar no que cada visão acredita, e então passamos a falar mais de crenças e doutrinas do que do próprio Deus. Por essa razão estamos começando essa série com o objetivo de apresentar as principais e mais essenciais características do caráter de Deus e despertar em você o desejo de prosseguir nesse conhecimento.

Essa série possui o título de “Quem é o ‘Eu sou’? ”, inspirado no texto: “E disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós.” Ex 3:14, no qual Moisés, agora um morador do deserto, tem um encontro com Deus, e Este se apresenta a Moisés dessa forma. Ao entrar em contato com o “Eu Sou! ”, sua vida é completamente revolucionada e ele então segue uma nova jornada de libertação, tanto própria, como de todo o povo hebreu. Por tanto, a principal motivação desta série é trilhar uma jornada de conhecimento do caráter de Deus que independem de denominação religiosa mas que são revelados limpidamente em sua palavra e experimentar uma libertação semelhante à que experimentou o povo hebreu.

Os temas e a linha geral seguidos são inspirados no livreto: “Fundamental Focus” produzido pelo ministério americano “Genesis Road” .

Espero que essa jornada seja significativa para você!

Todos somos culpados, até que aceitemos o contrário

Ao pensar e ler sobre a frase: “Todos são inocentes até que se prove o contrário” conhecido como “Princípio da inocência presumida” – muito comumente ouvida quando o assunto em questão é o dolo suposto de alguém, descobri que ela retrata uma garantia processual penal presente no artigo 5º na constituição de 1988. Essa garantia visa proteger todo acusado de um julgamento e condenação antecipados, sem o devido processo que permita uma avaliação justa mediante provas contra e a favor de sua condenação. Dessa forma, o acusado de um delito é considerado previamente inocente até que todo o rito processual seja finalizado e sua sentença final seja pronunciada e só então, caso condenado, possa sofrer as devidas sanções punitivas. Esse texto, em seu uso popular, tem sido aplicado como um princípio essencial da filosofia humanista. O ser humano, por ser considerado essencialmente bom, ou de outra maneira, naturalmente guiado por boas motivações, é inocente e nada mais que uma vítima das circunstâncias que o cercam. Sendo assim, se modificarmos as condições, temos a garantia de que o homem sempre produzirá bons frutos. Essa visão super-positiva da natureza humana não explicaria a trilha sangrenta deixada na história da humanidade através de toda barbárie já registrada. Além disso, não explica também os inúmeros pequenos episódios diários de crueldade e egoísmo que em muito superam as ações altruístas que observarmos no lidar diário. O fato é que não podemos de pronto desconsiderar esses comportamentos e apenas declarar o ser humano como uma mera vítima das condições, e não o principal responsável pela dor e sofrimento observados. A interpretação humanista não consegue lidar com a existência, amplitude, profundidade e perpetuação do mal. E o cristianismo, como lida com a malignidade do coração humano?

Para o cristianismo, ao contrário de sermos primordialmente inocentes, somos generalizadamente culpados (Rm 3:23), ou seja, há algo em nós, uma forma de infecção do mal, que nos motiva a agir prioritariamente com o fim da satisfação própria. Para ser mais fiel à descrição bíblica da realidade, a proposta presente na Bíblia é de que o homem possui duas naturezas antagônicas, uma delas introduzida por Deus (Gen. 3:15), que ainda nos direciona a agir de maneira amorosa visando o bem alheio. Entretanto, mesmo a presença desta força motivadora positiva não nos faz inocentes perante um Deus que sonda os corações. Portanto, para o cristianismo, deveríamos reescrever o início do princípio de inocência presumida: “Todos somos culpados …”. E o final, como o completaríamos a partir da visão cristã?  Será que poderíamos finalizar com o “até que se prove o contrário.” Precisamos provar que somos inocentes? Ou então teremos que enfrentar as punições pela culpa?   É aqui que acontece a “mágica” do amor de um Deus, que Ele mesmo é amor (I Jo 4:8).

Deus, mesmo sendo inocente e vendo claramente a malignidade do coração humano escolhe, por simples amor, assumir as consequências e efeitos da culpa humana apenas com o fim de declarar o homem inocente. Ele possui e conhece todas as razões para nos culpar, mas escolhe nos oferecer a salvação. Muitos acusam o cristianismo de imprimir angústia e sofrimento ao homem fazendo ele carregar o peso da culpa ao declará-lo culpado e essencialmente mau. Mas esquecem de um fato corriqueiro em nossas vidas; o médico precisa primeiro conscientizar o paciente de seu estado enfermo antes de iniciar o tratamento. Pois da mesma forma que o cristianismo apresenta a escuridão da alma humana, apresenta o remédio. A completa substituição desse coração enfermo (Eze 11:19). O humanismo falha ao nos declarar inocentes e não apresentar uma solução eficaz para a malignidade disseminada na humanidade. Que o cristianismo nos condena é verdade, mas nos oferece a cura. Só nos resta então aceitar. Portanto, na visão bíblica, não somos culpados que precisam demonstrar inocência, mas apenas aceitá-la. Sendo assim, sob a ótica cristã, o princípio poderia ser reescrito como: “Todos somos culpados, até que aceitemos o contrário!”

Deus, Ciência e as Grandes Questões: Uma conversa com três das maiores mentes acadêmicas cristãs vivas.

Atenção: Embora não concordando com todos os pontos de vista levantados, a reflexão e os pensamentos apresentados são poderosas ferramentas para fundamentar mais solidamente a fé cristã.

Poema: Conta e Tempo (por Frei António das Chagas)

Conta e Tempo

Deus pede estrita conta de meu tempo.
E eu vou do meu tempo, dar-lhe conta.
Mas, como dar, sem tempo, tanta conta
Eu, que gastei, sem conta, tanto tempo?

Para dar minha conta feita a tempo,
O tempo me foi dado, e não fiz conta,
Não quis, sobrando tempo, fazer conta,
Hoje, quero acertar conta, e não há tempo.

Oh, vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo.
Cuidai, enquanto é tempo, em vossa conta!

Pois, aqueles que, sem conta, gastam tempo,
Quando o tempo chegar, de prestar conta
Chorarão, como eu, o não ter tempo…

Frei António das Chagas, in ‘Antologia Poética’

Aceitos, e agora?

Resultado de imagem para aceitaçãoEm meio a tantas opiniões, uma expressão muito repetida é aceitação. Em quase todos os discursos que tratam sobre confronto de ideologias, essa palavra é usada como princípio universal para a solução dos problemas. E quando se trata de cristianismo, é, em geral, o argumento mais usado por todos, cristãos e não cristãos, para, segundo eles, mostrar que aceitação é a verdadeira prática do amor. Porém, há outros que entendem que a aceitação generalizada, significa uma harmonização com as práticas divergentes. É nesse contexto, que eu gostaria de convidá-los a refletir um pouco sobre a ideia de aceitação sob o ponto de vista do cristianismo.

Para orientar nossos pensamentos, gostaria de começar com uma primeira pergunta: Quem é aceito por Deus? Todos! A Bíblia é bem clara ao declarar em Jo 3:16 que sobre todo o mundo foi derramado o amor de Deus. Sendo assim, todos já foram aceitos por Deus. Essa declaração fica mais clara ao observarmos os atos de Jesus ao lidar com pecadores. Sua aceitação das mais diversas classes de pessoas foi tão evidente que provocou a ira dos fariseus. Deus, por ser amor, em sua própria essência reside a completa aceitação de todos. A todos é oportunizado desfrutar de seu amor. O seu amor, ou seja, sua natureza, é a certeza de que fomos aceitos, seja quem formos, ou onde estivermos.

Portanto, podemos compreender um dos pilares da mensagem que deve ser dada por todos os cristãos ao mundo: Deus te ama, por isso Deus te aceita! E sempre te aceitará! Pois, todo o seu ser e toda sua majestade consistem em amor, o mais profundo e sólido amor. Nesse sentido, nunca podemos fugir do amor de Deus. Quais quer que sejam suas ações, nada te afastará do amor de Deus! Essa é a mais importante mensagem a ser disseminada.

É com essa visão que a ideia de aceitação precisa ser ampliada, se quisermos ser honestos.   Bem, já está claro que não somos nós que devemos buscar a aceitação de Deus, isso ele já fez, antes de existirmos. Agora é Deus que esta constantemente buscando a nossa aceitação. É nesse momento que surge a questão mais importante: Estamos dispostos a aceitá-lo como ele é? Aceitá-lo da forma como ele se apresenta, como nosso Criador, como nosso Senhor, como aquele que sabe o que é melhor para nós? Se formos sinceros, precisamos aplicar aceitação que tanto exigimos de Deus a nós mesmos. Mas pensemos bem, aceitar a Deus significa aceitar o ser que tem todo o poder para criar o universo, e que coloca este poder ao exercício de seu amor por cada um de nós. Mas aceitá-lo também é receber um amor que te convida a amá-lo acima de tudo. Mas isto não seria uma exigência grande demais? Não, se entendermos que tudo o que ele quer é que sejamos felizes, e que tudo que fará está direcionado a nos conduzir a uma felicidade que nunca imaginamos que pudesse existir.

É isso o que significa aceitá-lo. Mas aceitá-lo sem impor condições, assim como somos aceitos por ele, é vivermos ao lado de alguém que sabe, muito melhor do que nós, como funcionamos, para que existimos e o que é melhor para nós. E somente através de sua palavra é que somos orientados acerca da maneira correta de desfrutar dessa nova relação. Ele mesmo declara em Jo14:15 que quem o ama, ou seja, aceita, guarda os seus mandamentos, pois aceitar a Deus é aceitar sua natureza e sabedoria e nos relacionar com ele como tal. Ou seja, após nossa aceitação de Deus, é ele quem determinará como viveremos, pois só ele tem real conhecimento de quem somos o do que precisamos. Qualquer coisa menos que isso não é aceitação. Estamos dispostos a exigir a aplicação do conceito de aceitação em sua plenitude? Caso sim, venha e desfrute!

R. Christ

Poesia: Ele (por Assad Bechara)

Ele

Ele é a música que inspira os meus versos,

as frases do meu louvor,

a Letra que rege a minha composição.

É Ele quem solfeja as minhas partituras

e orquestra as minhas dissonâncias.

Ele é o Compasso da minha respiração…

O Sopro do Cenáculo é o meu alento,

o Diapasão das minhas notas.

Ele é a Rima da minha poesia,

a alma das minhas palavras,

e o Dicionário dos meus silêncios…

Ele é o Amazonas Infinito

dos meus igarapés,

a completude oceânica das minhas gotas.

Ele controla os mares encrespados

e ouve o grito abafado perdido entre vagas e procelas.

O Senhor das Ondas

navega acima faz minhas tempestades

e me guia  nas planícies do Oceano Pacífico…

Ele é o Farol das minhas sombras.

O Gentilíssimo não Se afasta das minhas emergências…

A Ternura Compassiva sonda os meus crepúsculos

e quando densas sombras me envolvem.

Quando as minhas folhas se murcham

e as pétalas estão secas,

Ele me hidrata com a suavidade do orvalho.

Ele é o ribeiro cristalino que percorre

os meus desertos,

a Sombra da Palmeira no ardente zênite das dunas.

Ele é a Água de Vida para os lábios sedentos…

A doce Tâmara que me revigora na jornada…

O médico dos médicos é o ritmo da minha respiração,

o Bálsamo da minha dor,

a cura dos meus impossíveis…

Ele não me deixa

na profundidade desconhecida dos vales…

Ele nunca me perdeu de vista

mesmo quando estive longe…

Ele quem me resgata das minhas tangências

e dos meus extravios…

O Regente das Galáxias me ama

e não abandona este ínfimo grão de areia…

O Matemático do Universo

sabe calcular os meus algarismos intrincados

e arruma as minhas órbitas…

O Algebrista Divino conhece as minhas rotações

e as minhas geometrias…

Ele sabe as curvas do meu voo.

Porque nem altura nem profundidade

nem longitude nem latitude,

nada poderá me separar do

grande amor de Deus.

 

Assad Bechara

Surpreendendo-se com o ato de pensar!

De um tempo para cá, tenho me interessado em aprender o máximo que posso sobre os processos mentais e, especialmente, sua relação com a forma como Deus realiza nossa salvação, ou cura, como prefiro chamar. Seguindo essa motivação, ao estar passeando em sites de livrarias virtuais, pela natureza das buscas que fazia, o site me sugeriu um livro com um título, no mínimo, inusitado: Pense. Para mim, seria até compreensível que esse livro se chamasse Pensar ou O Pensar, pois isso me sugeriria a ideia de se tratar de um estudo sobre o significado do pensar sob a perspectiva acadêmica, científica, filosófica, etc. Mas Pense é um imperativo; um título que ordena que pensemos, escrito por um famoso pastor, conhecido por sua mente sagaz. É claro que isso me chamou a atenção. Além disso, o subtítulo continua a instigar: “A vida da mente e o amor de Deus.” Pronto! Eu tinha que ler esse livro, pois, até então, apenas o livro Simples Demais, de Timoty Jennigns, da Casa Publicadora Brasileira, havia apresentado uma proposta de descrever o amor como um mecanismo racional e não como um sentimento ou desejo incontrolável.

A proposta de Pense é delineada logo no início: “O alvo deste livro é estimular o pensar sério, fiel e humilde que leva ao verdadeiro conhecimento de Deus, que, por sua vez, nos leva a amá-Lo, o que transborda em amor aos outros” (p. 32). Portanto, não se trata de ensinar a pensar, mas de apresentar o exercício da reflexão séria como o caminho para descobrir o amor a Deus e ao próximo. Para mim, que tenho lido alguns textos escritos por especialistas, filósofos, cientistas e educadores sobre a importância do pensar profundo e sólido, é estimulante ler o que um pastor já bem conhecido diz sobre a importância desse processo para o nosso cristianismo. Outro fato que me chamou a atenção foi o autor esclarecer que a proposta do livro não é ser um texto técnico, como alguns já escritos, mas uma reflexão, escrita por um pastor, ancorada na Bíblia sobre a importância do pensar sério para nossa comunhão com Deus. Seguindo essa ideia, o pastor Piper utiliza em toda a sua escrita a Bíblia como fundamentação principal para suas afirmações.

Em uma época na qual a experiência com o transcendental costuma ser traduzida por meio do nível da sensação emocional causada, não deixa de surpreender que um pastor tenha escrito um livro sobre a importância do pensar para sua comunhão com Deus. Entretanto, sendo um pastor com graduação em literatura, especialização em filosofia e doutorado na Alemanha em Teologia, com dezenas de livros publicados, não é de se estranhar que tenha desenvolvido uma visão especial acerca do valor do pensar para sua intimidade com Deus. Mais interessante do que a proposta inicial desse livro é acompanhar o desenvolvimento com o qual suas ideias são apresentadas. Incialmente, o autor resume seu objetivo afirmando que “este livro é um apelo a adotarmos o pensar sério como um meio de amar a Deus e as pessoas. É um apelo a rejeitar o pensar do tipo ‘ou-ou’ no que diz respeito à mente e ao coração, a pensar e a sentir, à razão e à fé, à teologia e à doxologia, ao esforço, ao esforço mental e ao ministério de amor. É um apelo a que vejamos o pensar como um meio que Deus ordenou para O conhecermos. Pensar é um dos meios mais importantes de colocarmos o combustível no fogo da adoração a Deus e do serviço ao mundo” (p. 23). Portanto, não se trata de um livro técnico ou histórico, ou uma análise exegética profunda a respeito do valor do pensar na adoração, mas, antes, trata-se de um livro que nos convida a transformar nossa adoração pela inclusão do exercício da reflexão séria e profunda sobre a verdade divina. Esse é o alvo devocional, de onde se parte do exercício sério da reflexão até a experiência de comunhão ampliada.

Após apresentar sua proposta principal, o autor se preocupa em esclarecer a posição do pensar como um meio para atingir algo maior e mais sublime, e não como o foco principal, a intimidade e o conhecimento de Deus. “Pensar é indispensável no caminho do amor a Deus. Pensar não é um fim em si mesmo. Nada, exceto Deus, é um fim em si mesmo. Pensar não é o alvo da vida. Pensar, como o não pensar, pode ser o alicerce para a vanglória. Pensar sem orar, sem o Espírito Santo, sem obediência e sem amor ensoberbecerá e destruirá (1Co 8:1). Mas o pensar em submissão à poderosa mão de Deus; o pensar saturado de oração; o pensar guiado pelo Espírito Santo; o pensar vinculado à Bíblia; o pensar em busca de mais razões para louvar e proclamar as glórias de Deus; o pensar a serviço do amor – esse pensar é indispensável em uma vida de pleno louvor a Deus.” Portanto, a tese principal é a de que o fim de todo o processo é o conhecimento verdadeiro e profundo de Deus, que não se trata de mera recepção de informações, mas é o resultado de um pensar sério e profundo sobre Suas ações.

É com uma nova proposta do significado do pensar a respeito da verdade divina que o autor se preocupa também em redesenhar a correta postura da leitura. O ato de ler assume então uma posição de atividade e não de passividade. “Ler é pensar!” Essa tese visa a conceituar uma nova abordagem da leitura do texto sagrado. A verdade é como o ouro escondido nas minas: precisa-se de esforço, pensar sério para ser extraído, e de ainda mais reflexão para ser utilizado. Portanto, a verdade, que é revelada por Deus, precisa ser escavada da maneira correta; se não for assim, não obteremos suas riquezas em plenitude.

Outra observação marcante é a de que esse livro não trata de uma defesa do pensar acadêmico. O processo nele apresentado é um pensar sério e acessível a todos, e, portanto, não restrito a uma classe mais capacitada da sociedade. Dessa forma, esclarece Piper, não há qualquer supremacia de uma mente acadêmica sobre outras. Um escritor, cientista ou filósofo não serão melhores ou possuirão melhor relacionamento com Deus por terem o hábito de pensar com profundidade e solidez. O que confere o verdadeiro poder ao exercício de reflexão é a presença do elemento espiritual, o Espírito Santo, argumenta Piper. A ideia é que precisamos desenvolver o ato de pensar para que sejamos capazes de contemplar a Deus.

Seguindo sua proposta de reposicionar o ato de pensar de forma séria no contexto de nossa comunhão com Deus, o pastor Piper analisa um dos conceitos – senão o conceito mais importante: o amor a Deus. Para o escritor, o amor a Deus se expressa mais fundamentalmente na maneira com a qual pensamos. “Nosso pensar deve ser totalmente engajado em fazer tudo o que for possível para despertar e expressar a plenitude de valorizar a Deus acima de todas as coisas” (p. 120). Entretanto, ao longo da leitura desse capítulo, achei um pouco confusa a forma de definir a dinâmica entre as afeições e os pensamentos no processo de amar a Deus. Haveria ainda muito a explorar nessa temática tão fundamental.

O livro segue abordando duas objeções fundamentais à tese defendida pelo autor: o relativismo e o anti-intelectualismo cristão. A primeira é abordada com base nos episódios em que Jesus lidou com relativistas (Mt 21:23-27), demonstrando que Ele nunca aceitou uma visão de mundo que, especialmente por comodidade, se eximisse de assumir uma verdade. O próprio Jesus, explicitamente, apresentava uma compreensão absoluta do conceito de verdade, declarando Ele mesmo ser a verdade (Jo 14:6). Além dessa abordagem, no que diz respeito ao relativismo, o autor expõe diversos problemas morais disfarçados nessa ideologia, como o orgulho e a dissimulação. Uma citação apresentada no livro me chamou a atenção, pois trata do perigo do relativismo:

“Faz pouca diferença muito ou quão pouco dos credos da igreja o pastor modernista afirma… Por exemplo, ele pode afirmar cada título e cada artigo da Confissão de Westminster, mas, apesar disso, estar separado, por um grande abismo, da Fé Reformada. O fato não é que uma é negada e o resto, afirmado; mas tudo é negado, porque tudo é afirmado apenas como útil e simbólico, e não como verdadeiro” (J. Gresham Marchen, What is Faith? Edinburg: Banner of Truth, 1991 p. 34).

Quanto ao problema do anti-intelectualismo cristão, o pastor Piper adverte como compreensões equivocadas do texto sagrado têm afastado os cristãos de um compromisso com Deus mais racional e fundamentado. Em outro momento, ele demonstra a ausência de alternativa para uma plena comunhão com Deus que se abstenha do pensar: “O problema daqueles que menosprezam o dom de pensar como um meio de conhecer a Deus é que eles não definem claramente qual é a alternativa. A razão é que não há uma alternativa. Se abandonamos o pensar, abandonamos a Bíblia. E, se abandonamos a Bíblia, abandonamos a Deus” (p. 175). Dessa forma, os discursos anti-intelectualistas conduzem os cristãos a um relacionamento com Deus insólito e nebuloso, e por isso incerto e inseguro.

Como fim desta breve análise, gostaria de comentar a respeito da parte mais profunda e impactante de todo o livro. Aquela que me ajudou a reposicionar o objetivo e o fundamento de toda a minha pesquisa acadêmica e a recuperar a razão pela qual os grandes pais da ciência iniciaram e desenvolveram esse empreendimento: a glória de Deus. O pastor Piper explica que a tarefa de toda erudição é a glória de Deus, e qualquer desvio desse propósito está corrompido por natureza:

“Portanto, a tarefa de toda erudição cristã – não apenas estudos bíblicos – consiste em estudar a realidade como uma manifestação da glória de Deus, escrever e falar com exatidão sobre a realidade, desfrutar a beleza de Deus nela e torná-la serva do bem do ser humano. Há uma abdicação da erudição quando os cristãos fazem trabalho acadêmico com pouca referência a Deus. Se todo o universo e tudo o que há nele existem pelo desígnio de um Deus infinito e pessoal para tornar conhecida e amada a Sua multiforme glória, portanto, tratar de qualquer assunto sem referência à glória de Deus não é erudição, é insurreição” (p. 239).

Como cientista cristão, ler esse livro me ajudou a resgatar a primitiva – em referência aos fundadores da ciência – razão de fazer ciência. E também me permitiu compreender que a forma – no que diz respeito ao pensar sério – de produzir e pensar a ciência não pode ser diferente daquela forma com a qual construímos nossa comunhão com Deus. O pensar sério e profundo deve ser o fundamento sobre o qual todo cristão, acadêmico ou não, deve construir sua relação com o Criador.

Editado por Michelson Borges