O Ravi Zacharias(1946-2020) descansou

Muitas vezes achamos que a dor da perda será sentida de verdade apenas quando ocorre com os de perto, familiares ou amigos próximos. Mas há momentos em que sentimos o coração dilacerar quando, mesmo nunca as tendo encontrado, perdemos pessoas que admiramos e temos como inspiração. Hoje esse foi o caso, pois nesta data de 19/5/2020, o grande mensageiro do cristianismo Ravi Zacharias, palestrante, escritor e defensor da fé cristã, descansou no Senhor. Meu coração está esmagado pela dor. Esse homem sempre foi minha inspiração em sua forma inteligente e amorosa de falar de Jesus. Com sua inteligência sensível – creio ser a melhor expressão para ele -, sempre teve acesso a grandes centros acadêmicos, como Harvard e Oxford, falando do amor e da sabedoria de Deus.

Ravi nasceu na Índia e se converteu ao cristianismo na juventude. Emigrou para o Canadá e construiu uma carreira como mensageiro do cristianismo de uma forma inteligente, racional, mas ainda assim repleta de amor. Foi autor de vários livros, dentre os quais destaco o premiado Pode o Homem Viver ser Deus?, o primeiro que li e já me encantou, porque mescla de forma harmoniosa argumentos racionais a favor da fé cristã, sem perder o apelo à sensibilidade e ao coração. Ravi possuía um programa de rádio chamado “Let My People Think” (“Vamos pensar, meu povo”), transmitido a muitas partes do globo. Foi o fundador do Ministério Internacional Ravi Zacharias, que desenvolve evangelismo em todo o mundo. Mas, infelizmente hoje, aos 74 anos, vitimado por um câncer que fora anunciado apenas dois meses antes, Ravi descansou no Senhor.

É muito estranho sentir tanta dor pelo falecimento de alguém tão distante. Mas os livros e vídeos dele me fizeram sentir como se ele fosse meu mentor. Pois tudo o que eu imaginei ser como pregador do evangelho tinha Ravi Zacharias como referência. Já li C. S Lewis, William Craig, Nancy Pearcey, Francis Schaeffer e outros, mas o Ravi era meu referencial de mensageiro do evangelho. Minha dor é maior, talvez, porque no fundo eu ainda nutria a esperança de encontrá-lo e ter uma longa conversa. Portanto, minha oração a Deus é que eu possa glorificar a Deus e honrar esse grande homem, sendo ao menos uma unha do que foi Ravi Zacharias.

Sugestões de Leitura:

Pode o homem viver sem Deus?, Mundo Cristão, 1997

A morte da razão, Vida, 2011

Quem É Jesus?, Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2013

Pode o homem viver sem Deus?, Mundo Cristão, 1997

Jesus entre outros Deus, Vida Nova, 2018

Surpreendendo-se com o ato de pensar!

De um tempo para cá, tenho me interessado em aprender o máximo que posso sobre os processos mentais e, especialmente, sua relação com a forma como Deus realiza nossa salvação, ou cura, como prefiro chamar. Seguindo essa motivação, ao estar passeando em sites de livrarias virtuais, pela natureza das buscas que fazia, o site me sugeriu um livro com um título, no mínimo, inusitado: Pense. Para mim, seria até compreensível que esse livro se chamasse Pensar ou O Pensar, pois isso me sugeriria a ideia de se tratar de um estudo sobre o significado do pensar sob a perspectiva acadêmica, científica, filosófica, etc. Mas Pense é um imperativo; um título que ordena que pensemos, escrito por um famoso pastor, conhecido por sua mente sagaz. É claro que isso me chamou a atenção. Além disso, o subtítulo continua a instigar: “A vida da mente e o amor de Deus.” Pronto! Eu tinha que ler esse livro, pois, até então, apenas o livro Simples Demais, de Timoty Jennigns, da Casa Publicadora Brasileira, havia apresentado uma proposta de descrever o amor como um mecanismo racional e não como um sentimento ou desejo incontrolável.

A proposta de Pense é delineada logo no início: “O alvo deste livro é estimular o pensar sério, fiel e humilde que leva ao verdadeiro conhecimento de Deus, que, por sua vez, nos leva a amá-Lo, o que transborda em amor aos outros” (p. 32). Portanto, não se trata de ensinar a pensar, mas de apresentar o exercício da reflexão séria como o caminho para descobrir o amor a Deus e ao próximo. Para mim, que tenho lido alguns textos escritos por especialistas, filósofos, cientistas e educadores sobre a importância do pensar profundo e sólido, é estimulante ler o que um pastor já bem conhecido diz sobre a importância desse processo para o nosso cristianismo. Outro fato que me chamou a atenção foi o autor esclarecer que a proposta do livro não é ser um texto técnico, como alguns já escritos, mas uma reflexão, escrita por um pastor, ancorada na Bíblia sobre a importância do pensar sério para nossa comunhão com Deus. Seguindo essa ideia, o pastor Piper utiliza em toda a sua escrita a Bíblia como fundamentação principal para suas afirmações.

Em uma época na qual a experiência com o transcendental costuma ser traduzida por meio do nível da sensação emocional causada, não deixa de surpreender que um pastor tenha escrito um livro sobre a importância do pensar para sua comunhão com Deus. Entretanto, sendo um pastor com graduação em literatura, especialização em filosofia e doutorado na Alemanha em Teologia, com dezenas de livros publicados, não é de se estranhar que tenha desenvolvido uma visão especial acerca do valor do pensar para sua intimidade com Deus. Mais interessante do que a proposta inicial desse livro é acompanhar o desenvolvimento com o qual suas ideias são apresentadas. Incialmente, o autor resume seu objetivo afirmando que “este livro é um apelo a adotarmos o pensar sério como um meio de amar a Deus e as pessoas. É um apelo a rejeitar o pensar do tipo ‘ou-ou’ no que diz respeito à mente e ao coração, a pensar e a sentir, à razão e à fé, à teologia e à doxologia, ao esforço, ao esforço mental e ao ministério de amor. É um apelo a que vejamos o pensar como um meio que Deus ordenou para O conhecermos. Pensar é um dos meios mais importantes de colocarmos o combustível no fogo da adoração a Deus e do serviço ao mundo” (p. 23). Portanto, não se trata de um livro técnico ou histórico, ou uma análise exegética profunda a respeito do valor do pensar na adoração, mas, antes, trata-se de um livro que nos convida a transformar nossa adoração pela inclusão do exercício da reflexão séria e profunda sobre a verdade divina. Esse é o alvo devocional, de onde se parte do exercício sério da reflexão até a experiência de comunhão ampliada.

Após apresentar sua proposta principal, o autor se preocupa em esclarecer a posição do pensar como um meio para atingir algo maior e mais sublime, e não como o foco principal, a intimidade e o conhecimento de Deus. “Pensar é indispensável no caminho do amor a Deus. Pensar não é um fim em si mesmo. Nada, exceto Deus, é um fim em si mesmo. Pensar não é o alvo da vida. Pensar, como o não pensar, pode ser o alicerce para a vanglória. Pensar sem orar, sem o Espírito Santo, sem obediência e sem amor ensoberbecerá e destruirá (1Co 8:1). Mas o pensar em submissão à poderosa mão de Deus; o pensar saturado de oração; o pensar guiado pelo Espírito Santo; o pensar vinculado à Bíblia; o pensar em busca de mais razões para louvar e proclamar as glórias de Deus; o pensar a serviço do amor – esse pensar é indispensável em uma vida de pleno louvor a Deus.” Portanto, a tese principal é a de que o fim de todo o processo é o conhecimento verdadeiro e profundo de Deus, que não se trata de mera recepção de informações, mas é o resultado de um pensar sério e profundo sobre Suas ações.

É com uma nova proposta do significado do pensar a respeito da verdade divina que o autor se preocupa também em redesenhar a correta postura da leitura. O ato de ler assume então uma posição de atividade e não de passividade. “Ler é pensar!” Essa tese visa a conceituar uma nova abordagem da leitura do texto sagrado. A verdade é como o ouro escondido nas minas: precisa-se de esforço, pensar sério para ser extraído, e de ainda mais reflexão para ser utilizado. Portanto, a verdade, que é revelada por Deus, precisa ser escavada da maneira correta; se não for assim, não obteremos suas riquezas em plenitude.

Outra observação marcante é a de que esse livro não trata de uma defesa do pensar acadêmico. O processo nele apresentado é um pensar sério e acessível a todos, e, portanto, não restrito a uma classe mais capacitada da sociedade. Dessa forma, esclarece Piper, não há qualquer supremacia de uma mente acadêmica sobre outras. Um escritor, cientista ou filósofo não serão melhores ou possuirão melhor relacionamento com Deus por terem o hábito de pensar com profundidade e solidez. O que confere o verdadeiro poder ao exercício de reflexão é a presença do elemento espiritual, o Espírito Santo, argumenta Piper. A ideia é que precisamos desenvolver o ato de pensar para que sejamos capazes de contemplar a Deus.

Seguindo sua proposta de reposicionar o ato de pensar de forma séria no contexto de nossa comunhão com Deus, o pastor Piper analisa um dos conceitos – senão o conceito mais importante: o amor a Deus. Para o escritor, o amor a Deus se expressa mais fundamentalmente na maneira com a qual pensamos. “Nosso pensar deve ser totalmente engajado em fazer tudo o que for possível para despertar e expressar a plenitude de valorizar a Deus acima de todas as coisas” (p. 120). Entretanto, ao longo da leitura desse capítulo, achei um pouco confusa a forma de definir a dinâmica entre as afeições e os pensamentos no processo de amar a Deus. Haveria ainda muito a explorar nessa temática tão fundamental.

O livro segue abordando duas objeções fundamentais à tese defendida pelo autor: o relativismo e o anti-intelectualismo cristão. A primeira é abordada com base nos episódios em que Jesus lidou com relativistas (Mt 21:23-27), demonstrando que Ele nunca aceitou uma visão de mundo que, especialmente por comodidade, se eximisse de assumir uma verdade. O próprio Jesus, explicitamente, apresentava uma compreensão absoluta do conceito de verdade, declarando Ele mesmo ser a verdade (Jo 14:6). Além dessa abordagem, no que diz respeito ao relativismo, o autor expõe diversos problemas morais disfarçados nessa ideologia, como o orgulho e a dissimulação. Uma citação apresentada no livro me chamou a atenção, pois trata do perigo do relativismo:

“Faz pouca diferença muito ou quão pouco dos credos da igreja o pastor modernista afirma… Por exemplo, ele pode afirmar cada título e cada artigo da Confissão de Westminster, mas, apesar disso, estar separado, por um grande abismo, da Fé Reformada. O fato não é que uma é negada e o resto, afirmado; mas tudo é negado, porque tudo é afirmado apenas como útil e simbólico, e não como verdadeiro” (J. Gresham Marchen, What is Faith? Edinburg: Banner of Truth, 1991 p. 34).

Quanto ao problema do anti-intelectualismo cristão, o pastor Piper adverte como compreensões equivocadas do texto sagrado têm afastado os cristãos de um compromisso com Deus mais racional e fundamentado. Em outro momento, ele demonstra a ausência de alternativa para uma plena comunhão com Deus que se abstenha do pensar: “O problema daqueles que menosprezam o dom de pensar como um meio de conhecer a Deus é que eles não definem claramente qual é a alternativa. A razão é que não há uma alternativa. Se abandonamos o pensar, abandonamos a Bíblia. E, se abandonamos a Bíblia, abandonamos a Deus” (p. 175). Dessa forma, os discursos anti-intelectualistas conduzem os cristãos a um relacionamento com Deus insólito e nebuloso, e por isso incerto e inseguro.

Como fim desta breve análise, gostaria de comentar a respeito da parte mais profunda e impactante de todo o livro. Aquela que me ajudou a reposicionar o objetivo e o fundamento de toda a minha pesquisa acadêmica e a recuperar a razão pela qual os grandes pais da ciência iniciaram e desenvolveram esse empreendimento: a glória de Deus. O pastor Piper explica que a tarefa de toda erudição é a glória de Deus, e qualquer desvio desse propósito está corrompido por natureza:

“Portanto, a tarefa de toda erudição cristã – não apenas estudos bíblicos – consiste em estudar a realidade como uma manifestação da glória de Deus, escrever e falar com exatidão sobre a realidade, desfrutar a beleza de Deus nela e torná-la serva do bem do ser humano. Há uma abdicação da erudição quando os cristãos fazem trabalho acadêmico com pouca referência a Deus. Se todo o universo e tudo o que há nele existem pelo desígnio de um Deus infinito e pessoal para tornar conhecida e amada a Sua multiforme glória, portanto, tratar de qualquer assunto sem referência à glória de Deus não é erudição, é insurreição” (p. 239).

Como cientista cristão, ler esse livro me ajudou a resgatar a primitiva – em referência aos fundadores da ciência – razão de fazer ciência. E também me permitiu compreender que a forma – no que diz respeito ao pensar sério – de produzir e pensar a ciência não pode ser diferente daquela forma com a qual construímos nossa comunhão com Deus. O pensar sério e profundo deve ser o fundamento sobre o qual todo cristão, acadêmico ou não, deve construir sua relação com o Criador.

Editado por Michelson Borges